quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Da atipicidade da conduta da posse irregular de drogas em quarteis da PM, à luz da teoria da imputação objetiva: Ausência da criação de um risco juridicamente desaprovado e sua realização no resultado

José Enaldo da Silva Júnior

Tem tornado-se frequente o indiciamento e submissão a processo penal de Militares Estaduais com supedâneo típico elencado na mera posse de substâncias entorpecentes em unidades militares. Como paradigma, grande parte dos autores do delito detém dentro de um armários e. g. quantidades ínfimas de substâncias entorpecentes, oriundas de descarte em via pública.

Destarte, em sua grande maioria a substância ilegal é encontrada e, no entanto não há a quem imputar a propriedade da droga. O que deveria fazer então o miliciano em tal situação: Dirigir-se a delegacia de polícia e entrega-la as autoridades de polícia Judiciária? Ou descarta-la novamente em via pública, cometendo assim violação à norma incriminadora?

Versa patente que tais autores hipotéticos de tais delitos não fazem uso de substância entorpecente. Vemos no cotidiano jurídico tanto a esfera judicial quanto a esfera administrativa os autores da conduta ofertando-se a todo momento a submeter-se a exame toxicológico.

A conduta praticada por tais autores, é em tese atípica, vez que o verbo conjugado descritivo do texto normativo diz respeito a “ter em deposito” e “guardar” como finalidade de uso ou comércio. O que não aperfeiçoa o elemento objetivo do tipo de forma clara.

O artigo 290 do Decreto Lei 1001/69 , cujo conceito plurinuclear da norma traz em seu escopo onze modalidades, onde a conjugação de quaisquer destes traz ao autor a incidência da prática delituosa a ser penalizada. Este alargamento incriminatório, traz as condutas de "ter em depósito" e "guardar". Ao analisarmos cada um dos verbos deste artigo, precisamos ter com clareza o significado de cada uma das condutas previstas:

Guardar: armazenar para consumir em curto período de tempo, tomar conta de algo, proteger.

Ter em Depósito: ter armazenado suprimento que traga uma idéia de mais perpetuidade, maior quantidade.

Não nos parece ter ser essa a conduta típica praticada pelo miliciano que recolhe material ínfimo descartado em via publica e o acondiciona em unidade militar. Mais além: ausente encontra-se o dolo específico exigido para a concreção do tipo penal almejado.

A imputação objetiva veio modificar o conteúdo do tipo objetivo, dizendo que não basta estarem presentes os elementos da ação, causalidade e resultado para que se possa considerar determinado fato objetivamente típico. É necessário, ademais, um conjunto de requisitos. Este conjunto de requisitos que fazem de uma determinada causação uma causação típica, violadora da norma, se chama imputação objetiva.

Estes requisitos são fundamentalmente dois: O primeiro deles é a criação de um risco juridicamente desaprovado. Ações que não criam riscos, isto é, ações não perigosas, jamais são típicas, ainda que venham eventualmente a causar lesões. Além disso, ações que, apesar de perigosas, respeitam as exigências de cuidado, são permitidas (risco permitido), mesmo que no caso concreto ocasionem um resultado descritivo em tipo.

Contudo, para que se impute ao autor a causação de um resultado, não basta que ele crie o risco não permitido (isto é, juridicamente desaprovado) de um certo resultado. É necessário, ademais, que o resultado decorra justamente deste risco, que seja o desenvolvimento natural do perigo cuja produção o Direito houve por bem proibir. Noutras palavras: o segundo requisito da imputação objetiva é a realização do risco no resultado.

Por ora, bastam estas considerações para observarmos que, se a tipo consiste entrementes, na junção entre o tipo subjetivo (este composto por dolo e elementos subjetivos especiais) e o tipo objetivo (este formado por ação, nexo de causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e realização do risco no resultado).

Em conclusão, vê-se que embora mantenham em quartel a posse de substâncias entorpecentes, esta circunstância jamais poderia ser considerada típica, uma vez que não houve a realização do risco juridicamente reprovado no resultado.

In fine, a conduta de guardar remete ao fim jurídico de uso em um curto espaço de tempo, que não coaduna-se nos casos em que a droga subsista em quantidade ínfima, esteja trancafiada em um armário por longo decurso temporal e também não seja o Autor usuário de drogas.

É de Luigi Ferrajoli a seguinte lição: "A necessária lesão ao resultado, qualquer que seja o conceito que adotemos, condiciona toda a justificação utilitarista do direito penal como instrumento de tutela e constitui seu principal limite axiológico externo. Palavras como “lesão”, “dano” e “bem jurídico” são claramente valorativas" .(Tradução Livre)

Ter em depósito como conduta típica não sustenta-se ao mundo jurídico como concreção do tipo, face que necessário o elemento especial que defina um aspecto de perpetuidade e maior quantidade para a sua caracterização.

Melhor sorte não há, do que a consideração da atipicidade de tal conduta.


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Autor:

*José Enaldo da Silva Júnior - Advogado Criminalista em São Paulo-SP, Professor de Direito e Processo Penal em inúmeros cursos preparatórios de SP, Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Jaime de Altavilla - FEJAL. Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Técnico em Segurança Pública pela PMAL.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

Silva Júnior, José Enaldo da.  Da atipicidade da conduta da posse irregular de drogas em quarteis da PM, à luz da teoria da imputação objetiva: Ausência da criação de um risco juridicamente desaprovado e sua realização no resultado. Blog Palavra Direito, São Paulo - SP, 05 de Dezembro 2012. Disponível em: http://palavradireito.blogspot.com.br/2012/12/da-atipicidade-da-conduta-da-posse.html>. Acesso em: (data e hora do acesso).

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