Tem
tornado-se frequente o indiciamento e submissão a processo penal de Militares
Estaduais com supedâneo típico elencado na mera posse de substâncias entorpecentes
em unidades militares. Como paradigma, grande parte dos autores do delito detém
dentro de um armários e. g. quantidades ínfimas de substâncias entorpecentes,
oriundas de descarte em via pública.
Destarte,
em sua grande maioria a substância ilegal é encontrada e, no entanto não há a
quem imputar a propriedade da droga. O que deveria fazer então o miliciano em
tal situação: Dirigir-se a delegacia de polícia e entrega-la as autoridades de
polícia Judiciária? Ou descarta-la novamente em via pública, cometendo assim
violação à norma incriminadora?
Versa
patente que tais autores hipotéticos de tais delitos não fazem uso de
substância entorpecente. Vemos no cotidiano jurídico tanto a esfera judicial
quanto a esfera administrativa os autores da conduta ofertando-se a todo
momento a submeter-se a exame toxicológico.
O
artigo 290 do Decreto Lei 1001/69 , cujo conceito plurinuclear da norma traz em
seu escopo onze modalidades, onde a conjugação de quaisquer destes traz ao
autor a incidência da prática delituosa a ser penalizada. Este alargamento
incriminatório, traz as condutas de "ter em depósito" e
"guardar". Ao analisarmos cada um dos verbos deste artigo, precisamos
ter com clareza o significado de cada uma das condutas previstas:
Guardar: armazenar para consumir em
curto período de tempo, tomar conta de algo, proteger.
Ter em Depósito: ter armazenado
suprimento que traga uma idéia de mais perpetuidade, maior quantidade.
Não
nos parece ter ser essa a conduta típica praticada pelo miliciano que recolhe
material ínfimo descartado em via publica e o acondiciona em unidade militar. Mais
além: ausente encontra-se o dolo específico exigido para a concreção do tipo
penal almejado.
A
imputação objetiva veio modificar o conteúdo do tipo objetivo, dizendo que não
basta estarem presentes os elementos da ação, causalidade e resultado para que
se possa considerar determinado fato objetivamente típico. É necessário,
ademais, um conjunto de requisitos. Este conjunto de requisitos que fazem de
uma determinada causação uma causação típica, violadora da norma, se chama
imputação objetiva.
Estes
requisitos são fundamentalmente dois: O primeiro deles é a criação de um risco
juridicamente desaprovado. Ações que não criam riscos, isto é, ações não
perigosas, jamais são típicas, ainda que venham eventualmente a causar lesões.
Além disso, ações que, apesar de perigosas, respeitam as exigências de cuidado,
são permitidas (risco permitido), mesmo que no caso concreto ocasionem um
resultado descritivo em tipo.
Contudo,
para que se impute ao autor a causação de um resultado, não basta que ele crie
o risco não permitido (isto é, juridicamente desaprovado) de um certo
resultado. É necessário, ademais, que o resultado decorra justamente deste
risco, que seja o desenvolvimento natural do perigo cuja produção o Direito
houve por bem proibir. Noutras palavras: o segundo requisito da imputação objetiva
é a realização do risco no resultado.
Por
ora, bastam estas considerações para observarmos que, se a tipo consiste
entrementes, na junção entre o tipo subjetivo (este composto por dolo e
elementos subjetivos especiais) e o tipo objetivo (este formado por ação, nexo
de causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e
realização do risco no resultado).
Em
conclusão, vê-se que embora mantenham em quartel a posse de substâncias
entorpecentes, esta circunstância jamais poderia ser considerada típica, uma
vez que não houve a realização do risco juridicamente reprovado no resultado.
In
fine, a conduta de guardar remete ao fim jurídico de uso em um curto espaço de
tempo, que não coaduna-se nos casos em que a droga subsista em quantidade ínfima,
esteja trancafiada em um armário por longo decurso temporal e também não seja o
Autor usuário de drogas.
É de
Luigi Ferrajoli a seguinte lição: "A necessária lesão ao resultado,
qualquer que seja o conceito que adotemos, condiciona toda a justificação
utilitarista do direito penal como instrumento de tutela e constitui seu
principal limite axiológico externo. Palavras como “lesão”, “dano” e “bem
jurídico” são claramente valorativas" .(Tradução Livre)
Ter
em depósito como conduta típica não sustenta-se ao mundo jurídico como
concreção do tipo, face que necessário o elemento especial que defina um
aspecto de perpetuidade e maior quantidade para a sua caracterização.
Melhor
sorte não há, do que a consideração da atipicidade de tal conduta.
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Autor:
*José Enaldo da Silva Júnior - Advogado Criminalista em São Paulo-SP, Professor de Direito e Processo Penal em inúmeros cursos preparatórios de SP, Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Jaime de Altavilla - FEJAL. Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Técnico em Segurança Pública pela PMAL.
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
Silva Júnior, José Enaldo da. Da atipicidade da conduta da posse irregular de drogas em quarteis da PM, à luz da teoria da imputação objetiva: Ausência da criação de um risco juridicamente desaprovado e sua realização no resultado. Blog Palavra Direito, São Paulo - SP, 05 de Dezembro 2012. Disponível em: http://palavradireito.blogspot.com.br/2012/12/da-atipicidade-da-conduta-da-posse.html>. Acesso em: (data e hora do acesso).
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